quinta-feira, 6 de março de 2008

NONO FRAGMENTO DA DÉCIMA TERCEIRA VOZ

"O gosto é bom, eu te dizia. E não impede a asa, a seta disparada em direção a Hydrus, Eridanus. Mas primeira prova da terra. Depois, voa. Não aprendeste com Ícaro? Só não queiras tocar o Carro de Apolo. Ah quanta Ânsia Sufocante de Pureza. Quanta Mentira Adocicada. Lixo gritarei na tua cara, pura merda. Merda fedida de quem bebeu demais na noite anterior. Conheces bem a cor escura, o cheiro estranho de álcool. Não me venhas com Espiritualidades Trancendentais. Tenho mais nojo de tuas flores amarelas que de teu cu. Tua alma me importa menos que o cheiro de teu suor. Espera - também-não-é-tudo-assim-escuridão-e-morte, já dizia HH. Pára de te debater, não vais aguentar. A mulher dos comprimidos já te olhou desconfiada. A garganta dói, provei o que não devia. A cabeça me pesa, pensei o impermitido. Tens que te movimentar no meio desses brilharecos. Tens que desmenti-los um por um. A cada dia assassinar o pai, estuprar a mãe. Pára de sonhar coloridices. Tenho asco de tuas fitas coloridas, teus perfumes. Foi assim que vocês todos morreram antes do tempo. Foi assim que eu não morri. Embora oco, estou no alto da torre, na Curva das Tormentas, as janelas abertas para que entrem todos os demônios. Os anjos também."


(Caio Fernando Abreu, Triângulo das águas, L&PM Pocket)

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