segunda-feira, 17 de março de 2008

Não só de passagem...

Normalmente, eu não gosto de ser marionete para as pessoas. Quando elas me tem com tanto poder, muitas vezes meu coração não acaba bem. Contudo, quando estou num teatro e sou controlado pela encenação, eu amo! Amo sofrer ou rir com aqueles personagens. Em “En Passant”, eu fui manipulado completamente. Fui um corpo morto com o qual eles fizeram tudo. Fui das risadas altas ao riso com a mão na boca para não atrapalhar os outros espectadores.

Numa madrugada qualquer em qualquer praça, duas pessoas quaisquer se encontram. Um homem e uma mulher. Não sabemos o que cada um carrega, quais os motivos que os levaram até ali. Logo sabemos que é dor... Dor que não se explica... Mas que se sente fundo e maltrata.

Através de cenas curtas, os dias vão passando e à platéia são apresentados os diálogos (muitas vezes sem razão lógica) que aqueles dois conseguem travar. E nos sentimos sentados num balanço do lado deles dividindo aquele turbilhão de sensações que não conseguimos explicar nem definir.

O que será que lhes prende àquele lugar? Será apenas um grande cachecol que insiste em se amarrar a um balanço? Não... Eles encontraram um igual... Ou, talvez... Lá eles podem ser por completo... Ou o mais perto que chegam de ser completos. Por que voltar durante as madrugadas? As madrugadas são as piores horas... O silêncio é tanto que maltrata e a solidão faz questão de se mostrar presente e forte.

E todo o sentimento é dado para a platéia... Perdeu demais aquele que esteve no teatro mais não se permitiu ser manipulado por aquela história. Interpretações tão vivas, tão verdadeiras! Aqueles personagens existem! Sou eu e mais um monte de amigos que nas madrugadas difíceis saem em busca de alguma praça, como se nela estivesse uma receita para o coração ficar tranquilo.

A encenação é muito bem cuidada. Opta-se por uma espécie de jogo cinematográfico que enche os olhos da platéia. É quase palpável uma edição cinematográfica, que dá dinamismo, movimento à vida lenta daqueles seres contada de forma sem pressa. Nada ali sobra. Tudo tem seu canto, tudo está acomodado. Até nós mesmos, espectadores, nos aconchegamos do lado dEle e dEla para ouvir suas histórias.

A interpretação de Milena Pitombeira controla todos os olhares. Uma energia fortemente pulsante sai dela e toma todos. As intenções são precisas, assim como os gestos. O mais mágico é sentir como se nós fôssemos ela. Queremos pular também, precisamos de uma salvação! Jadeilson Feitosa nos mostra um homem mais cheio de dor, de silêncios. Causa arrepios nos pescoços da platéia ao enrolar freneticamente o cachecol como num último gesto. Um pouco menos de qualidade que a atriz, o que é bastante comum quando o ator assume a direção (embora eu não aceite esse justificativa). Mas Ele também tem força pra pegar o coração de quem assiste “En passant” e apertar com mãos fortes quando diz algumas frases de efeito.

A iluminação de Walter Façanha é linda (algo completamente esperado quando se trata do trabalho desse iluminador). Aceita a proposta da direção e a engrandece. As transições, o piscar de luz e os focos tão bem marcados deixa tudo com um clima de sonho ou de madrugada desperta. A sonoplastia é belíssima! Possui uma unidade completa, como se fosse feita exclusivamente para o espetáculo. Desde a primeira nota, ela é um veículo para a platéia ser puxada para a vida mostrada naquele palco.

A maquiagem, o cenário e o figurino de Yuri Yamamoto fazem jus ao que ele é para mim: um gênio. E a genialidade está na simplicidade daqueles balanços e daquele poste ao contrário (nossa, como ninguém pensou nisso antes!). A praça tem um tom onírico com aqueles elementos, mas não deixa de existir. E a platéia fica se perguntando onde existe isso, qual o limiar do palpável e da imaginação no meio daquelas loucuras. O figurino tão cinza parece que quer ser mais forte que o vermelho vivo que existe neles. Tolice... Ainda tem vida naqueles seres, mesmo que difícil de ser percebida.



Hoje, domingo, quase 24 horas depois de ter visto a peça, ainda estou submerso naquele universo. E vou ficar assim por alguns dias... Embora os personagens digam que não é o tempo que passa, e sim eles!, comigo não acontece assim. Eles estão presentes nos meus pensamentos como grandes amigos, ou, pior, como a mim mesmo. Eu sou Ele e Ela, aquela praça é minha cabeça e as madrugadas são diárias. Também busco um momento de redenção, seja num beijo, seja num grito, seja num pulo. Espero aquele momento de abandonar meu cachecol no balanço e sair... Como será que eu vou sair? ... Vivo ou morto?

Tô com vontade de chorar. E agora sinto vergonha das risadas que dei ao ver o espetáculo. Mas eram risadas como fuga, porque aquilo é ridículo, e me vejo ridículo também. Não tô sozinho... Quer dizer, estou sozinho. Não. Eu estou com minhas sensações, que foram despertadas por “En passant”, que não foi só de passagem na minha vida...





Serviço: En passant, texto de Rafael Martins sob direção de Jadeilson Feitosa. No elenco, Milena Pitombeira e Jadeilson Feitosa. Aos sábados e domingos de abril no teatro Sesc Emiliano Queiroz sempre às 20 horas. Ingressos: 12 reais (inteira) e 6 reais (meia)
(Nas fotos: Milena Pitombeira e Jadeilson Feitosa
Créditos: Divulgação do espetáculo)

(16.março.2008)

Um comentário:

Thiago Mesquita disse...

e eu de passagem
só pra adicionar seu link na minha pagina.
heuhae =D