domingo, 17 de maio de 2009

Céu estrelado. Silêncio. Só uns grilos e um galo longe. Frio.

"(Zacarias está tocando violão. Uma mulher da vida aproxima-se dele. Não é feia. Fica parada, olhando o negro que toca)
Zacarias: "Quando o apito da fábrica de tecidos vem ferir os meus ouvidos, eu me lembro de você..."
(Zacarias para de tocar quando vê a moça)
Alice: Bonito. Toca mais.
Zacarias:Eu gosto de tocar. Mas mãe sempre dizia que nêgo é pra trabalhar.
Alice: Você sabe aquela:
"Até nas flores se encontra
A diferença de sorte:
Umas enfeitam a vida.
Outras enfeitam a morte."
(Alice suspira)
Na vida é desse jeito mesmo. Tem gente que não tem sorte. Eu mesma. Mas que fazer? Se tivesse quem trabalhasse pra mim, eu deixava essa vida. Mas vivo sozinha: eu e Deus. Nunca deixei de acreditar. Nunca deixei de rezar.
Zacarias: Mãe também rezava.
Alice: Sua mãe morreu, não foi?
Zacarias: Foi.
Alice: Você já viu o mar? (Zacarias acena com a cabeça que não) Eu já vi. Levei até flores pra Iemanjá.
Zacarias: Iemanjá?
Alice: É. A rainha do mar. Ela vive num palácio no fundo das águas com o seu príncipe encantado. (Zacarias está pensativo) As estrelas são bonitas, não são?
Zacarias: São.
Alice: Sabia que cada uma dessas estrelas é a alma de um valente, de uma moça donzela que não conheceu homem, de um santo que foi pro céu?
Zacarias: Quer dizer que tem estrela macho e estrela fêmea?
Alice: Não é assim, que tudo vira estrela. Estrela não é gente, não. Estrela não tem corpo.
Zacarias: Complicado, hein?
Alice: Não. O corpo fica na terra, a terra não come? Pois só a alma vira estrela.
Zacarias: Será que mãe virou estrela também?
Alice: Ainda não. Demora, tem que ser julgada por Deus.
Zacarias: Mas o padre disse que Deus já perdoou mãe faz tempo.
Alice: Então ela virará estrela, com certeza.
(Alice está bem perto de Zacarias. Ele arrasta a mulher para a cama)
Zacarias: Como você se chama?
Alice: Alice.
Zacarias: Bonito."

(dois cigarros)

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